
Análise textual em 2Co 12.10c — Qual a diferença entre “fraco” e “forte” para Paulo?
por Wesley Porfírio (22/04/2023), fonte: wesley.net.br
“Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte.”
2 Coríntios 12.10c
1 – CONTEXTO:
No contexto imediato desta passagem, Paulo conta sua experiência de ter sido “arrebatado até o terceiro céu” (vs.1-4), porém ele não se gloria dessa experiência maravilhosa, mas do fato de estar passando por fraquezas (v.5) e por causa do seu “espinho na carne” (vs.7,8). Para Paulo esta fraqueza lhe fazia submisso a graça e lhe impedia de ficar vaidoso ou soberbo. Paulo dá graças a Deus por lhe bastar a graça para viver de forma sobrenatural e de poder repousar “poder de Cristo” que se aperfeiçoava em sua fraqueza humana e natural (v.9).
Assim, Paulo mostra que o Evangelho de Cristo Jesus subverte toda ordem natural para que o homem possa viver na ordem sobrenatural do Reino de Deus.
A partir do verso 10, Paulo, diz que sente prazer nas suas fraquezas (em seu espinho na carne). Paulo poderia usar a expressão “eu tenho alegria por passar por tribulações”, mas ele usa a expressão “prazer”, para dar ênfase ainda maior ao seu estado de espírito.
A alegria de Paulo era sobrenatural, porque ele se firmava na graça de Cristo, que vai além do natural, numa realidade onde aparentemente tudo lhe iria bem.
A alegria de Paulo se transformou num santo prazer mesmo sendo injuriado (acusado injustamente de crimes), estando preso, sofrendo por amor a pregação do Evangelho e por amor a Cristo.
2 – ANÁLISE TEXTUAL:
Agora, neste trecho do texto de 2Co 12.10c, Paulo faz uma oposição entre “fraco” e “forte”. Para entender melhor esta oposição, devemos recorrer a uma análise gramatical do texto original no grego:
ὅταν γὰρ ἀσθενῶ τότε δυνατός εἰμι
2Co 12.10c
hotan gar astheneô tote dynatos emir
porque quando sou fraco, então forte sou
Vamos dividir as duas sentenças:
1º) QUANDO SOU FRACO
ὅταν γὰρ ἀσθενῶ
2Co 12.10c1
hotan gar astheneô
porque quando sou fraco
- Primeiramente, devemos analisar o sentido de ὅταν (hotan) “quando; sempre que” é uma conjunção adverbial temporal, que aparece como um subjuntivo em orações temporais indefinidas.
Portanto, o subjuntivo “quando” é usado depois do advérbio causal “porque”, que aparece no sentido de “até que”. Assim, ele indica uma contingência futura na perspectiva do tempo do verbo principal ἀσθενῶ (estou fraco) (WALLACE, 2009, p.479) [1]
- E assim, astheneô é “estar fraco” possui um sentido *conotativo* de se sentir totalmente impotente para modificar a própria realidade.
- Com isso, desistimos de viver a nossa própria vida, com as nossas próprias forças e paramos de querer administrar as situações que não podemos administrar por nosso próprio entendimento.
E depois Paulo conclui:
2º) É QUE SOU FORTE
τότε δυνατός εἰμι
2Co 12.10c2
tote dynatos emir
então forte sou
Qual a diferença entre astheneô (fraco) e dynatos (forte)? É importantíssimo entendermos a diferença entre astheneô (fraco) e dynatos (forte). [2]
O verbo grego astheneô está no modo subjuntivo, como sendo uma ação provável ou uma mera possibilidade. Logo, astheneô nos aponta para um sentimento de fraqueza ou falta de coragem ou falta de vontade ou falta de capacidade cognitiva por si mesmo.
No texto, astheneô têm um sentido semântico que pode ser interpretado como “me sinto fraco”, num sentido opositivo a dynatos: “sou forte” ou “sou capacitado”.
Eu creio que a melhor tradução para dynatos não deveria ser “forte”, mas “capacitado” ou “habilitado”, então temos:
Logo, dynatos pode ser interpretado por “sou capacitado” e, num sentido semântico, pode ser interpretado por “sou habilitado para cumprir uma missão”. [3]
Se astheneô é sentimento de fraqueza pessoal, dynatos é uma condição de força externa e que vem de outro ser pessoal ou força interpessoal.
3 – ANÁLISE TEOLÓGICA
As Escrituras nos mostra que os nossos inimigos são a carne, o mundo e as ciladas do diabo.
Quando nos sentimos fracos diante das condições, devemos nos humilhar e nos prostrar diante da cruz de Cristo. Tiago nos ensina: “Humilhai-vos na presença do Senhor, e ele vos exaltará.” (Tg 4.10)
O apóstolo Pedro colabora Tiago ao nos ensinar que devemos nos humilhar “sob a poderosa mão de Deus, para que ele, em tempo oportuno, vos exalte, lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós.” (1Pe 5.6,7)
Então, nossa fraqueza está na nossa condição decaída. Fomos criados a imagem e semelhança do Criador, mas por causa da Queda somos totalmente depravados e incapazes moralmente de escolher fazer o que é certo livremente.
Mesmo assim, a Palavra nos revela que, mesmo nós sendo pecadores, arrogantes e inimigos de Deus, Cristo nos amou primeiro.
Somos tão pecadores que queremos resolver tudo independente de Cristo. É ai que somos derrotados por nós mesmos: porque “a soberba precede a ruína.” (Pv 16.18) A soberba nos faz subestimar os nossos inimigos que sempre são mais forte que nós.
Por isso Paulo ensina: “sede fortalecidos no Senhor e na força do seu poder. Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para poderdes ficar firmes contra as ciladas do diabo.” (Ef 6.10,11)
“Porque quanto sou fraco” tem um sentido pejorativo de nos reconhecer “fracotes” diante da força dos nossos inimigos na vida: a carne, o mundo e o diabo.
Já “então forte sou” tem um sentido superlativo de saber que somos poderosos não em nós mesmos, mas no nome de Jesus. No nome dele tudo podemos fazer, na força de quem nos fortalece. Cristo derrotará nossos inimigos, porque Ele está a nossa frente de nós.
Podemos considerar algumas questões teológicas sobre ser forte:
- A nossa força na carne nos faz fracos no espírito.
- A força em Cristo nos faz forte no espírito.
- Quando somos fortalecidos em Cristo vivemos pela graça.
- Quando vivemos pela graça, vivemos bem tanto natural como sobrenaturalmente.
Também podemos considerar outras questões teológicas sobre a ordem natural do homem em oposição a ordem sobrenatural da graça:
- Na ordem natural, o homem natural busca forças naturais para se sentir forte, mas vive fraco sobrenaturalmente.
- Na ordem natural, o homem religioso busca experiências sobrenaturais para se sentir forte, mas vive fraco sobrenaturalmente.
- Na ordem sobrenatural da graça, o cristão busca repousar na soberania de Cristo para, além do natural, viver pela graça.
Nosso sentimento impotência não deve ser só uma estado emocional ou psicológico ou deve ser visto como algo natural ou uma condição temporária de quem sente que não consegue mudar sua própria realidade.
Também não podemos nos encher de um sentimento de “empoderamento” e achar que a nossa condição de filhos de Deus, nos dá super poderes sobrenaturais para fazer todas as nossas vontades.
Devemos ter uma constante consciência pela Palavra nos revela que:
- Deus é Santo e exige que sejamos santos. Ou seja, devemos andar no caminho da santificação, tendo uma vida piedosa (fervorosa consagração).
- Somos pecadores e que merecemos a condenação à Morte Eterna. Ou seja, que não temos justiça própria, mas recebemos tudo pela Graça.
- Pela graça fomos salvo, mediante a fé, para que sejamos submisso a vontade de Cristo, para a Vida Eterna hoje (no caminho da santificação) e amanhã (na Glória Eterna).
4 – CONCLUSÕES:
- Para o cristão, o ESTAR fraco deve ser uma condição e o SER forte deve ser uma constituição.
- Para o cristão a diferença entre “fraco e forte” deve ser a mesma entre o “estar o ser”.
- O “porque quando sou fraco” deve ser um estado de fraqueza natural do pecador que é tratado pela graça.
- O “então forte sou” deve ser a constituição do pecador que foi transformado pela graça.
- Por meio de Cristo fomos transformado sobrenaturalmente para viver naturalmente para a glória de Deus.
Assim, a Graça de viver no sobrenatural do Reino de Deus, faz com que, diante das nossas condições de fraqueza e diante dos nossos constantes “espinhos na carne”, nós nos fortalecemos no poder de Cristo.
PARÁFRASE:
Portanto, uma boa paráfrase para esta sentença “porque quando sou fraco, então forte sou” é:
“Porque até quando me sinto no estado de total fragilidade é na dependência da graça, onde me esvazio de mim e sou fortalecido em Cristo, numa condição de ser habilitado e capacitado nEle.” (2Co 12.10)
Wesley Porfírio
RESUMO:
Na confiança em Cristo, em submissão à Palavra de Cristo e em obediência a voz de Cristo (o Bom Pastor) somos fortes em Cristo.
5 – APLICAÇÕES:
- Reconheça que você é fraco contra o pecado e que somente pela graça, você permanecerá em Cristo. Somente Ele te fará forte nEle para você vencer os inimigos dEle. Quando nos humilhamos perante Deus e nos declaramos totalmente fracos diante das batalhas, nós assumimos nossa total insuficiência para vencer as lutas da vida.
- Peça perdão a Deus por sua arrogância de tentar viver na dependência das suas próprias forças naturais. Não tente ser independente da Lei e da Graça de Cristo.
- Busque somente nas Escrituras os ensinamentos da Lei e da Graça para que a sua fraqueza natural ser transformada em força sobrenatural para a Glória de Deus.
Finalmente irmãos, sede fortalecidos no Senhor (Ef 6.10) e alegrem-e nEle, porque a alegria do Senhor é a nossa força. (Ne 8.10)
BIBLIOGRAFIA:
[1] WALLACE, Daniel B. Gramática Grega: Uma Sintaxe Exegética do Novo Testamento, 1 ed. — São Paulo: Ed. Batista Regular, 2009.
[2] BRANNAN, Rick. Léxico Lexham do Novo Testamento Grego, 2020.
[3] HEISER, Michael S.; SETTERHOLM, Vincent M. Glossário de terminologia de banco de dados morfossintático. Lexham Press, 2013.